quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aos futuros alunos.

Dez coisas que eu queria que tivessem me falado antes de eu fazer o curso na Academia.
  1. Existe um risco de você se machucar nas aulas de defesa pessoal. Portanto, recomendo que façam aulas de artes marciais, de preferência judô, primeiro para acabar com aquele medinho de cair ou se machucar. Se você executar bem os golpes e exercícios, esse risco diminui sensivelmente. Segundo, para poder dedicar mais tempo a outras matérias, porque o curso tem uma carga teórica muito pesada. Os melhores parceiros são aqueles que têm experiência em artes marciais. Eles vão te ensinar muito durante as aulas. Lembrando que o peso corporal de cada um tem que ser mais ou menos igual. Cena inesquecível que acontece em quase todo curso é aquela em que o aluno cai de mal jeito e desloca o ombro;
  2. Pratique longas corridas (seis, oito e dez km) inclusive durante o curso. Vale a pena investir na corrida porque se você estiver bem fisicamente será uma nota dez garantida. Faça-o  durante a semana, antes ou depois do período diário de aulas do curso. A gente acha que perde tempo correndo enquanto deveria estar estudando. Besteira! Correr faz bem até para a mente e combate o stress;
  3. Recomendo o estudo de outros idiomas. Porque na Academia você preenche uma espécie de currículo que é o teu primeiro cartão de visitas na Casa. A habilidade em falar outro idioma pode te abrir muitas portas e excelentes oportunidades aqui na polícia;
  4. Cuidado com as piadinhas, cantadas inoportunas e comentários ácidos. Pode parecer exagero da minha parte, mas as paredes da academia têm ouvidos. E já vi, por exemplo, aluno ser severamente repreendido e consequentemente prejudicado porque fez uma piada politicamente incorreta com as colegas de curso;
  5. As perguntas durante as ministrações são bastante incentivadas. Nota-se que os professores gostam dos alunos bem dispostos e colaboradores. Mas cuidado, porque se sua pergunta tiver outra motivação diferente de aprendizado isso será percebido facilmente, porque os professores dão a mesma aula em várias turmas. Me refiro a perguntas sarcásticas, ou aquelas que tentam encurralar o professor ou colocar em cheque seus conhecimentos. Não é uma boa estratégia tentar se promover em detrimento de quem tá ali pra te ensinar. Até porque o professor normalmente é um policial da ativa com quem você pode trabalhar amanhã;
  6. Não precisa esconder que você foi militar ou teve experiência em outra polícia ou tem alguma habilidade especial (tipo artes marciais, esportes, profissões: é professor de ed. física, fisioterapeuta, médico, etc.). Mas faça isso com humildade, discrição e se for oportuno. Por outro lado dizer que ficou com alguém ou que é parente de alguém importante dentro ou fora da "firma", não é uma boa ideia;
  7. Perguntas pessoais aos colegas podem ser mal interpretadas. Existe uma paranóia enorme entre os alunos na Academia no sentido de haver policiais ou até mesmo bandidos infiltrados no meio da turma. Será? Perguntei para uma colega, na fila do restaurante, sobre namorados e ela não gostou. Tempos depois do curso pude entender o motivo. Ela não tinha namorado, mas namorada;
  8. Meninas, aprendam a fugir elegantemente de situações de assédio. Elas virão em todas as áreas, e de todas as direções possíveis. Se você se estressar toda vez que ouvir uma piadinha ou cantada, você vai passar o curso inteiro exausta, se é que vai ter energia para chegar ao final. PORÉM, se a situação estiver realmente te prejudicando, escreva! Não estou me referindo apenas ao assédio sexual. Sei de um professor que nunca mais deu aulas na Academia por ter feito um comentário racista, por exemplo;
  9. A média nas notas de avaliações teóricas costumam ser altíssimas, agora o divisor de águas mesmo é a parte prática, onde a variação de médias é maior. Portanto, vale muito a pena treinar tiro de precisão principalmente com a pistola. Se você conseguir a arma e o calibre exatamente iguais aos utilizados na Academia, ótimo, mas o mais importante é aprender os fundamentos, visada, empunhadura, respiração. E isso vocês aprendem com qualquer pistola. A minha nota na prova de tiro me colocou lá em cima na classificação geral da turma;
  10. Seja sempre parceiro dos colegas, professores, funcionários. Esteja sempre disponível para ajudar aqueles que têm mais dificuldades nesta ou naquela disciplina. Quem foi o melhor corredor, nadador, atirador ou a maior nota em determinada prova, ninguém vai lembrar depois de um tempo. Agora, as cenas mais marcantes e mais bonitas do curso são aquelas em que um está ajudando o outro a superar algum obstáculo do caminho. São esses os momentos que se eternizam na memória da gente. 

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O vestiário masculino.


Imagine trabalhar num ambiente onde a proporção é de dez homens para uma mulher. Imagine muita testosterona, músculos e tatuagens expostas para quem quiser apreciar. Soa como a versão feminina daquela promessa das dez virgens para um mártir. Mas não. Não é.

Ter o passe livre para o vestiário masculino é uma prerrogativa que você recebe como um prêmio. Significa que você foi aceita pelo grupo e agora eles não vão implicar tanto por ter uma mulher na equipe. Você vai comer com eles, vai viajar com eles, vai participar das conversas deles, vai saber o que eles pensam e como se comportam. Você será tratada, na maioria das vezes, como se fosse um deles! Eu achei que isso era tudo o que eu queria. Mas não. Não é.

O reallity show no mundo dos machos humanóides não é nada romântico. Mas a gente sempre pode tentar ver as coisas como uma experiência antropológica. Vou tentar não generalizar porque, acreditem, há exceções.  Mas o que você espera encontrar por trás daqueles músculos, e braços e pernas malhados e barriga de tanquinho é muita saúde pra dar, no mínimo. Mas não. Não é.

A fuga da realidade, da decepção com Deus e o mundo, das dores familiares, da carreira policial desestruturada, da inabilidade para lidar com os seus próprios problemas existenciais levam o guerreiro a se entregar a uma vida dissoluta de mentiras. Os ternos e gravatas alinhados, as roupas operacionais e equipamentos táticos, o armamento e distintivos são praticamente irresistíveis à maioria das fêmeas da espécie, que encontram nisso sinais de poder, proteção, estabilidade. Mas não. Não é.

O índice de policiais que consomem anabolizantes, álcool, viagra, remédios para dormir, para pressão, para depressão é impressionantemente assustador. Você pensa que, pela lógica, a maioria das causas das mortes de policiais é a rua, o confronto com bandidos. Mas não. Não é.

O sistema esconde da esposa as reiteradas traições do marido; Esconde na avaliação de desempenho a péssima produção do antigão que não quer nada com nada e não faz porcaria nenhuma o dia todo e todo dia; O parceiro não entrega que a viatura capotou porque o policial condutor estava alcoolizado; O PM libera o policial surpreendido com o traveco dentro da viatura policial e a família nunca vai saber; A remoção ex-offício não é por interesse da administração coisa nenhuma, mas porque o herói está endividado e precisa desgraçadamente da ajuda de custo... Sei que parece simples criticar tudo, jogar os outros na fogueira e se revoltar contra o sistema nessas horas. Mas não. Não é.

Olha lá! Ele não é feliz.
Sempre diz que é do tipo cara valente, 
Mas veja só, a gente sabe...
Esse humor é coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão.
Então, não faz assim rapaz.
Não bota esse cartaz.
A gente não cai não...
Ele não é de nada.
Essa cara amarrada
É só um jeito de viver nesse mundo de mágoas".
(Maria Rita, Cara Valente) 

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O corporativismo na polícia.


Minha colega e grande amiga de outra cidade, por quem morro de saudades, via mensagens de celular:

Ela: Amiga, que tá fazendo?
Eu: Tô comendo besteira, quer?
Ela: Ai, não. Tô muito gorda.
Eu: Não tá, amiga, vc tá linda!
Ela: Boba.
Eu: Linda...

domingo, 14 de agosto de 2011

Honestamente.


Encontrei uma grande amiga da faculdade um dia desses. Bonita, estudiosa, inteligente, de uma família de classe média lá na minha cidade. Ela comentou que eu sumi e coisa e tal e justifiquei, dizendo que tinha passando no concurso da polícia e que tava morando noutra cidade. E ela me contou com um ar tão suave de resignação que tinha acabado de preencher uma ficha de emprego em um hipermercado, para trabalhar num cargo privativo de quem, igual a ela, tinha esquentado banco por longos anos naquela faculdade e para ganhar sabe quanto? Menos do que ela pagava de mensalidade no curso universitário! A vida pós formatura não era nada do que pensávamos. Caí num estado de meditação comparativa profundamente doloroso e acordei assustada porém muito agradecida, porque, me diz, aonde que na iniciativa privada eu, honestamente, com essa cara de estagiária e sem nenhum parente ou amigo influente, receberia o contra-cheque que um novato recebe aqui?