sábado, 31 de agosto de 2013

Consta.

 
Ela já ganhou pontos comigo apenas pelo fato de ser da minha cidade e por  trazer o sotaque das minhas amigas. Por um mundo onde não se julgam as pessoas por sua origem, mas sabe aquela coisa de afinidade de raízes? Pois é, culturalmente falando, somos bem diferentes dos habilocs* daqui. 
 
Percebi que a Dama de Ferro também gosta dela. Elementar, já que minha conterrânea é quem mais trabalha e produz neste setor. É por isso que ela tem três estagiários.  Sabe escrever com objetividade e clareza e não tem tempo para aqueles floreamentos de estilo jurídico-boçais. Tem o raciocínio rápido, é desenrolada e parece ser uma ótima mãe de família.  Pode rir do meu jeito caipira-romântico de ver a vida, Poliana Moça, mas na minha escala de valores, está bem estabelecido que "família" vem antes de "trabalho".
 
Gente, o mundo precisa saber que a vida pessoal de boa parte dos policiais é uma catástrofe. Tendo por amostra nosso time feminino de vôlei,  parece até que o tempo de polícia é inversamente proporcional ao tempo de casada das policiais. Tinha que haver um curso top de "Operações Familiares". Não entendo como ninguém nunca pensou nisso...
 
Admiro o fato de que, além de competente, ela almoça em casa todos os dias e que às 18 horas em ponto, ela para tudo e vai cuidar da vida. Fiquei fã quando, após ouvir uma parte da conversa dela com uma orientadora escolar, me explicou que tinha dado uma dura na equipe de professores de exatas da melhor escola desta cidade, porque não souberam explicar o motivo de uma nota baixa da filha dela. Entendeu? Sem entrar no mérito da nota em si, ela me mostra que sabe transitar bem nisso de ser uma boa profissional do tipo "delegada durona" e ser super-amiga da filha pré-vestibulanda dela... 

Creio que posso tentar aprender alguma coisa com essa mulher que tem uma vivência profissional no mínimo interessante. Veio de outra polícia e, diga-se de passagem, já sofreu no lombo o ferro quente da Corregedoria. Se ela mereceu essa marca dolorosa, jamais saberemos.



* Gíria operacional para "habitantes locais". 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ineficiência.


Recapitulando: a delegada saiu de férias e o setor que ela coordena emperrou. Por isso um gênio da Administração, formado em qualquer coisa menos Administração, manda pra este setor carente de mão-de-obra uma pessoa totalmente crua no assunto - eu - pra substituir esta figura lendária que ligou o "problemaseu" e foi viajar... My name is... Buraco, esqueceu? Tapa-Buraco.

Antes de começar a assinar toda essa papelada e fazer girar a manivela desta engenhoca burocrática, eu preciso estudar a porcaria toda da legislação, que está cheia de furos e falhas ridículas que precisam ser complementadas por pareceres óbvios e, diga-se de passagem, cafonas demais, onde o "dotô" operador, que possivelmente estudou com Pontes de Miranda, me irrita escrevendo palavras como "despiciendo" nas peças... (Assunto encerrado).

O telefone toca o dia inteiro porque a humanidade em peso decidiu telefonar para esta seção em busca de informações sobre seus documentos em trâmite por aqui. São três mega pilhas de papel, olhando impacientes pra mim em cima daquela mesa. Olhares impacientes exercem um certo poder sobre mim. Eu realmente fico me perguntando o que a última frase desse parágrafo tinha a ver com as anteriores.

Ocorre que para dar o devido andamento nesses papéis EU também preciso de autorização para consultar sistemas de informação. Sabe aquelas telas pretas dos computadores dos sistemas de pesquisa policiais que a gente vê nos filmes? Aqui tem vários destes. São muitos, com vários gestores diferentes. LOGO, pra cada um, uma senha diferente. Aí começa toda uma maratona pra descobrir como eu faço pra conseguir cada senha dessas. NENHUMA PESSOA HUMANA AQUI SABE INFORMAR NADA DIREITO!

Não obstante, o sistema é bruto, parceiro: "escreveu não leu o pau comeu". Por isso não posso sair por aí autorizando qualquer coisa sem saber do que se trata, por quê, como, quem, onde.

Não acabou. Após descobrir o caminho das senhas através de uma façanha resultante de extenuante trabalho de investigação que deixaria o CSI no chinelo, só falta você fazer noventa memorandos, contendo  seu nome, número de matrícula, local da sua lotação, uma dissertação com o porquê você precisa acessar esse sistema, seguidas do nome do seu seriado de TV favorito e o número do seu grau de miopia. Daí... protocola em quinhentas vias, todas assinadas e com o "de acordo" dos seus 981 chefes. Após, anexa cópia autenticada dos memorandos, da sua carteira funcional, identidade civil, da carteira de motorista, CPF, conta de luz, da carteirinha estudantil, a do clube do sindicato, associação, federação e a da irmandade muçulmana. Aí manda e espera. Mas espera sentado, amigo, porque vai demorar.

Saudades da rua, onde bastava uma ligação telefônica para o cara certo e tudo se resolvia.

Sabe quem é o otário nessa história toda? Não... não sou eu, não... É você, pacato cidadão, que PAGA CARO POR ESSA PORCARIA DE BUROCRACIA DO FATÍDICO SERVIÇO PÚBLICOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A dama de ferro.

 
Vai ser tenso trabalhar com essa mulher. Depois de um belo chá de cadeira que tomei na recepção antes de entrar no gabinete dela, a delegada-chefe foi o mais seca e impessoal possível quando fui me apresentar oficialmente pra ela. Fez questão de rezar logo a cartilha da "hierarquia e disciplina", como se já me desse uma bronca antecipada. Talvez porque  na minha testa estivesse escrito que eu não tenho o menor interesse em trabalhar ali por muito tempo. Se ela percebeu isso, mereço o Oscar de pior atriz do ano porque isso era tudo o que eu queria evitar.

O telefone da mesa dela tocava toda hora, depois tocava o celular, até que ela deu ordens à secretária (terceirizada) pra segurar um pouco as ligações. E todo o discursozinho que eu ensaiei pra falar pra ela, no sentido de estabelecer alguma parceria amigável neste momento delicado, ficou pra outra oportunidade, pelo simples fato de que ela tem mais o que fazer.

Em suma, o único sinal de aprovação que recebi - e olha que eu coloquei o meu melhor terninho versão "clássicos", fiz cabelo, unha, maquiagem... - foi quando respondi à sua pergunta sobre a minha área de formação superior.  Mas por que mesmo que eu preciso da aprovação dela? Oi! Não preciso, ok? De qualquer forma, foi neste momento que ela me deu alguma esperança de que poderei ser bem empregada em alguma coisa naquela Divisão.

- "Ora, Novinha! E o que você esperava que uma mulher daquelas quisesse ouvir de alguém que apareceu do nada no território dela, mais perdida do que cego em tiroteio?"

Nada né, porque o tempo monstro que essa monstra tem de polícia deve ser o que eu tenho de idade. E ela deve ter razão mesmo, afinal tenho consciência de que tudo o que já aprendi não vai contribuir em nada nesta nova função. Ela deve estar mais preocupada é com todos os Deltas (Delegados) sedentos de poder que maquinam um dia ocupar a cadeira dela.

Minha frustração foi aumentando naquela sala na medida em que não encontrava nenhum sinalzinho sequer de entusiasmo no rosto dela. Será que é muita exigência querer sentir pelo menos da parte da chefia algum envolvimento de alma, algum comprometimento com a missão do setor? Sabe aquela devoção da pessoa que se entrega por uma causa válida? Zero.

domingo, 4 de agosto de 2013

Analisa.


Sabe cachoro quando cai do caminhão de mudança? É bem como me sinto. Quem sou eu? Onde estou? A única coisa que sei é de onde vim. E de onde vim, o trabalho policial era completamente diferente desse aqui. Mas será por pouco tempo, assim espero. O quê que eu tô fazendo aqui? Me preservando, conforme determinação da Administração. Acontece às vezes de o policial ter que ficar um tempo na "geladeira". É o meu caso.

Espeto conformada a última alcaparra da minha salada generosamente regada de azeite, pensando: "fazer o quê, né?" Pior seria se tivessem me mandado de volta para a minha delegacia anterior. Então, vamos aproveitar esse clima de fim de festa para encerrarmos mais essa temporada da qual certamente sentirei saudades. "Garçon, vê pra mim um suco de abacaxi com hortelã, on the rocks, por favor, porque estou precisando".
 
Estou bem, gente. Vou trabalhar no horário normal de expediente, com intervalo definido para o almoço. Estarei em casa todas as noites como uma pessoa normal! Olha que chic! Porque caí de para-quedas, vou começar substituindo uma delegada que está de férias: mesma função; salários diferentes. "Segura a sua onda, Novinha", penso comigo mesma. Vou trabalhar numa salinha pequena com três estagiários fofos do curso de Direito. Meu novo setor tem cinco(!) delegados (dois machos e três fêmeas), dois agentes (machos) e um milhão de empregados terceirizados de ambos os sexos que fazem muito barulho. Quando a Delegada voltar das férias eu saio da sala dela e vou para a sala do barulho que fica do outro lado do corredor. Parece que vou substituir um agente relativamente antigo que pediu pra ser movimentado para outro setor. Este tem mó jeitão de polícia. O outro Agente, mais moderno, é meio nerd, eu diria.
 
Estava aqui analisando as informações preventivamente levantadas até o momento e fazendo umas contas pra ter uma noção de como será minha próxima temporada na polícia:
 
  • delegados no setor = 5 toneladas de papel.
  • Para apenas 2 agentes, sendo que o mais antigo pediu remoção = Baixíssimo IEPA: Índice de Expectativa Proporcional de Adrenalina.
  • 1 milhão de contratados e estagiários = Zero policial querendo vir trabalhar nesta bodega. 

Pronto: estatisticamente falando, me ferrei.

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Ps.: Quero dar os parabéns à Futuras Novinhas do Grupo "TAF para Mulheres" do Facebook, que têm se estimulado mutuamente para a árdua batalha diária de treinamento para os testes físicos para ingresso nas carreiras  policiais. Força meninas e levem esse espírito de união para a polícia porque estamos precisando (valeu DoceAcida!!!).