sábado, 25 de setembro de 2010

Ela dança com lobos.

Eu bem que poderia tirar a maior onda com este certificado bonitinho. Posar de "policial operacional especializada". Mas, francamente, que cursinho mais besta! Eles têm uma mania de colocar tanta pompa e cerimônia no nome do curso que beira o cinismo. Pois fico achando que até um chipanzé domesticado concluiria este treinamento com louvor. É mais um mito que despenca numa dose extra de realismo. Tô andando pra esses cursos e só não vou considerar uma perda total de tempo porque pude fazer bons contatos e conhecer pessoas interessantes. Esta agente, por exemplo, tão ironicamente aluna quanto eu. Com a pequena diferença de que eu sou anônima né, e ela é uma lenda viva que jamais passaria despercebida, primeiro por seu exótico visual neo-hippie, segundo pelo fato de que todo mundo ali já tinha ouvido falar dela.

Eu acredito que ela já tenha tempo para se aposentar, mas quem a vê operando não diz isso. E isso é bonito demais. Ela tem enormes tranças loiras no estilo rastafari a contrastar com a pele marcadamente bronzeada que lhe dão um ar de medusa, de cigana, de mistério, de disfarce. O que dizem é que ela sabe se portar muito bem no teatro operacional, enxerga tudo como uma águia e tem verdadeiro feeling pra coisa. Não fica atrás de homem nenhum nas operações que participa, nem na hora de levar tiro! Logo se vê que ela tem um caso com o perigo de viver e definitivamente se entrega à paixão. "Ela tem sangue no olho", gente (bom, seja lá o que isso quer significar, pelo contexto me pareceu muito irado). E sofro de pensar que ela consegue fazer tudo isso sem estragar aquele esmalte nas unhas luxuosamente vermelhas. E tem mais... Me contaram que aquele capricho todo nas delicadas trancinhas dela é obra de um preso... cabeleireiro... que está na custódia da delegacia dela! Vai ver essa mulher hipnotiza cobras também...

Quanto tive coragem de puxar conversa, ela não fez aquela pose blasé característica de quem se acha. Não. Continuou sentada no meio-fio, como se já me esperasse e disse "Claro que sim, tem alguma coisa específica que você queira saber?" Tem. Eu queria saber até o que ela come no café da manhã! Acho que ela sacou que eu me perdia em tanta dualidade e que eu procurava não ser a chata das perguntas sem-noção. E com a delicadeza de quem sentia ternura por minhas dúvidas ou talvez por meu coração batendo apertado de deslumbramento, não quis reforçar nem anular a mística que rola em torno dela. Ela é dessas que não precisam se afirmar. Tínhamos que encerrar a conversa, pois os veículos da aula já tinham chegado, então ela me disse sutilmente pra relaxar, e acrescentou que tudo acontece naturalmente na vida da gente. Não é de arrepiar? Só falta alguém dizer que ela também lê o futuro das pessoas.

domingo, 19 de setembro de 2010

Confissões de uma concurseira.

Já pedi desculpas a ele várias vezes por adormecer de cansaço antes da hora; Já varei noite estudando para concurso; Já dormi muito em mesa de biblioteca; Já tomei muito café pra acordar; Já passei frio no ar-condicionado do curso; Já passei fome em sala de estudos; Já fui dormir às duas da manhã porque acabei tomando pó de guaraná demais para ficar acordada durante a aula; Já senti dores de coluna por causa das longas horas sentada pra estudar; Já assisti aula gripada; Já pedi a Deus para chegar logo o intervalo a fim de comprar remédio pra cólicas menstruais; Já fiz prova com dor de cabeça; Já tive dúvidas se valeria a pena; Já tive certeza que não valeria a pena; Já ouvi conselhos para estudar menos; Já ouvi conselhos para estudar mais e já estudei errado demais.
Já fiz versão de música do U2 para decorar os crimes hediondos; Já ouvi CD para decorar a Constituição; Já viajei para fazer prova; Já viajei na maionese; Já falei sozinha estudando; Já fiz passos de dança estudando; Já “mandei” colega calar a boca pra poder ouvir o professor; Já quis matar o vizinho que liga o som na maior altura; Já pensei em me mudar para o Alasca a fim de ter um pouco de paz para estudar; Já cantei "Breakaway" da Kelly Clarkson, com a mão no peito, como se fosse o "Hino Oficial dos Concursandos".

Já fiquei por muito pouco; Já perdi no psicotécnico; Já tomei pau em entrevista (que ódio!); Já fui reprovada em prova de digitação; Já "boiei" a aula inteira sem entender por.caria nenhuma; Já dei muito tapa na testa sem acreditar que consegui errar aquela questão; Já ouvi muito "boa-sorte" antes da prova; Já gastei horrores com cursinho; Já jurei nunca mais fazer cursinho; Já botei banca de quem vai arrasar na prova e saí da prova arrasada; Já fiz prova de natação com maiô emprestado; Já chutei em muitas questões; Já errei questão que até hoje não entendi por quê; Já fiz pergunta idiota; Já me assumi como burra e idiota; Já considerei o professor um burro e idiota e já achei que o mundo inteiro era burro e idiota.

Já levei patada de professor de cursinho; Já levei cantada de professor de cursinho; Já fiquei com professor de cursinho; Já fiz muito resumo de livro; Já comprei livro caro que nem usei; Já li muito sobre como passar em concursos públicos; Já assisti palestras sobre memorização, motivação, embromação; Já li "A Arte da Guerra"; Já pintei muitos trechos de livros de amarelo (importante!), cor-de-rosa (jurisprudência!), azul (novidade!), verde (caiu em concurso!), laranja (caiu na prova da polícia!!!); Já dei muito murro em ponta de faca; Já chutei o pau da barraca e já fiquei meses sem ânimo nem coragem de pegar num livro!

Já fiquei sozinha em casa para estudar com a família viajando e já-ouvi-sermão-por-causa-disso... Já me pediram pra mudar de assunto porque eu só falava em concurso; Já fui chamada de antisocial, de maluca, de egoísta e inconsequente; Já disseram que eu ficaria louca de tanto estudar; Já disseram que eu iria morrer de tanto estudar; Já vi muita gente boa desistindo pelo caminho; Já esperei edital demais e quase morri mesmo, quando o bendito edital finalmente saiu.

Já cruzei a linha de chegada, já recebi os parabéns por ter conseguido passar nessa droga dessa prova filhadamãe! Já recebi o contracheque, a carteira, o distintivo e a "Isabella" (a belíssima, elegante e estonteante pistola que anda comigo) mas o melhor de tudo é que nunca vi minha mãe tão linda e tão feliz, chorando de orgulho na minha formatura na Academia (ô, mãe...).

Portanto, dá pra perceber que não sou ninguém para dar conselhos. Só sei que não existe “receitinha fácil” para passar em concurso público. Não tem isso de sorte ou azar. Existe determinação, abnegação e fé. Mas o mais importante é ter fé, porque né, se mesmo aos trancos e barrancos, com tantos erros, trapalhadas e fracassos, Deus ainda resolveu atender generosamente às minhas orações, por que ele não atenderia às suas também?

sábado, 11 de setembro de 2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Mulher e ponto.


O primeiro homem que me chamou de "novinha" não era policial. Era o tipo "partidão absoluto", daqueles que roubam a cena e monopolizam as atenções em qualquer reunião social. Ele tinha 25 anos e uma família ultra tradicional vivendo no interior do meu Estado. E eu tinha 15 aninhos e uma certeza juvenil de que aquele era "o homem da minha vida". E a gente conversava, trocava umas cantadas imperfeitas, elogios insinuantes entre sorrisos intensos e olhares indefinidos. Era uma linguagem pura e bonita de sedução. E só ficava nisso.

Até que numa bela noite de lua cheia e cheiro de árvores ele veio com um olhar animal e aquela pegada firme de quem avisa: "Eu vou te engolir inteira!" e eu, com experiência "zero km", me assustei e dei o passo para trás mais tímido de toda a minha existência como quem pede "Hold on, cowboy". E isso foi tudo. Foi o mais perto dele que consegui chegar. Graças a Deus, porque dias depois, ao tentar engatar novamente a primeira marcha, tomei um fora tão intempestivo e tão dolorosamente descomunal que até hoje trago a cicatriz. O motivo? Eu era "muito novinha" pra ele... Tudo bem que perdi o chão, o rumo de casa e fui parar no inferno, mas hoje, sei que o trauma poderia ter sido bem pior.

Atualmente são necessárias algumas horas de carro na estrada para chegar à minha cidade. É lá que vivem meus familiares, meus grandes amigos e o meu passado. Soube que "o partidão" se separou da mulher. E ele também já sabe que o meu coração agora tem dono. Então, ninguém se esbarra a não ser quando a vida resolve aprontar das suas. Num desses feriados prolongados na minha cidade, eu contava empolgadíssima as minhas "aventuras policiais", feito gente grande, numa roda de amigos onde, em meio a muita risada, choviam essas perguntas curiosas e ninguém piscava pra não perder o fio da meada... Era eu me sentindo de alguma forma interessante. E eis que o meu passado resolve aparecer no meio da noite pra me assombrar. A chegada do "partidão" era a deixa para que eu concluísse a minha historinha e evaporasse dali resignada e obediente, como manda a etiqueta do mais fraco... Mas dessa vez foi diferente. O presente me era tão mais pulsante e atraente! Eu estava tão bem, tão feliz e com tantos amigos querendo saber tudo sobre como era na polícia, e como é que eu fazia e não sei mais quê... que minha respiração foi se acalmando e eu fui ficando! O "partidão" entrou... veio me cumprimentar de um jeito que não era o seu, mas que me pareceu adequado, e até participou daquela sabatina de amigos! Cara! Vocês precisavam ver o jeito disfarçadamente espantado e surpreso como ele me olhava... Foi naquela noite que vi nos olhos dele como aquela guriazinha tímida de 15 aninhos cresceu e se tornou uma mulher. Até sonhei que estava cantando "Baba, baby, baba" pra muita gente esnobe na polícia que ainda me chama de "Novinha".