sábado, 13 de janeiro de 2018

Dica nº 3 - Cultive uma mentalidade de sobrevivência.

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Policial precisa voltar vivo pra casa.

Já falamos sobre a necessidade de estar bem fisicamente e a importância de buscar o conhecimento. Agora chegou a vez de falar sobre a arte da guerra. Entenda que se realmente você leva sua profissão a sério, algumas coisas vão mudar naturalmente: suas prioridades, suas amizades, a forma como você gasta seu tempo livre. Você vai passar a ter um estilo de vida mais... tático. Para aprender a viver bem com essa nova identidade, é imprescindível que você cultive uma mentalidade de sobrevivência. 

Em primeiro lugar, treine

Não recomendo a ninguém o sentimento de que falhou ao enfrentar uma situação de risco. A perda dos valores envolvidos (vida, dignidade, integridade física, etc.) jamais será comparável ao que você deve investir em treinamento.  Aproveite bem cada oportunidade de treinamento que a Instituição te oferece e tente extrair o máximo de cada curso, de cada disparo no estande de tiro, faça anotações sobre o seu desempenho, veja o que você precisa fazer pra melhorar. Registre o seu desempenho! Mas não se limite a isso. Treine tiro sozinho em local seguro, tente aplicar o que aprendeu no treinamento. Se não tiver munição, treine sem munição. Como? Treine sacar e enquadrar o alvo o mais rápido possível. Treine fazer isso sentado, deitado, em baixa luminosidade, dentro do carro parado, dentro do carro em movimento (em local seguro, fazfavô!). Treine fazer isso cansado, após uma corrida, protegendo-se atrás de um abrigo. Treine trocar rapidamente o carregador da arma. Treine atirar com uma mão só. Trocar o carregador com uma mão só. Enfim, treine em condições bem próximas à realidade de um confronto armado onde tiro vai e tiro pode vir também. No confronto real você precisa sacar rápido e enquadrar o alvo da forma mais rápida possível. Segundos  e milímetros podem valer a sua vida. Então, treine!

Treine defesa pessoal policial, mas treine com objetivos concretos. Treine técnicas para neutralizar seu oponente. Treine o que fazer quando estiver com uma arma apontada para a sua cabeça. Treine como cair e não se machucar, treine como se levantar rápido da queda. Treine como se livrar de um estrangulamento, de um ataque com faca, de uma paulada, de um murro na cara, um chute no abdome. Treine táticas para se livrar de um estupro com um homem de 100 quilos em cima de você. Treine como atacar os pontos fracos do inimigo. Na hora "H" você vai reagir como treinou, se não treinou... vai fazer o que, né?

Treine como sobreviver em meio a adversidades. Treine flutuação em meio líquido usando calça jeans, boot e equipamentos. Treine a técnica correta para saltar um muro ou para saltar a uma altura de 10 metros n'água. Treine como descer ou subir de rapel. Treina vários tipos de nós e quando usar cada um deles. Treine como sair de um porta-malas de carro. Treine táticas para sobreviver a um incêndio. Treine como sobreviver no meio do mato, aí na sua região (na selva, na caatinga, na ilha, na montanha, no mar). Treine vários tipos de nós. Treine a arte de detectar mentiras.

Segundo, esteja sempre pronto pra responder a uma agressão. 

Para isso, crie o hábito de deixar sua arma sempre pronta para um saque rápido. Salve e deixe números de telefones de emergência ao alcance rápido. Deixe kits de primeiros socorros sempre à mão. Utilize equipamentos de proteção adequados. Invista em equipamentos úteis como um canivete suíço, um bastão retrátil, uma boa lanterna tática, armas backup, torniquete, óculos de sol de qualidade e aprenda a cuidar deles e a utilizá-los da forma correta. Esteja preparado! Não tem preço quando o colega tá tentando resolver um problema com uma tesourinha escolar, e alguém diz. "Novinha, vem cá, traz seu canivete suíço aí, por favor".

Terceiro, aprenda a detectar de onde vem o perigo. 

Para poder  sacar mais rápido e reagir, você precisa estar atento ao que acontece ao seu redor.  Não precisa ficar "full time a ponto de bala", mas precisa aprender a julgar vulnerabilidades e portar-se de acordo. Precisa detectar ameaças naquele cenário. O que tá errado, ou não tá combinando com o ambiente e então se antecipar. Não pode esperar a agressão ser anunciada para então poder agir. Precisa aprender a sentir se está sendo seguido. Aprender a estacionar o carro numa posição e local mais seguros e avaliar o cenário quando for embarcar de novo. Quando tiver que parar num semáforo, observe quem se aproxima e mantenha-se sempre em condição de reagir, porque ninguém surge na sua frente "do nada". Ou seja, em algum momento você se distraiu e "comeu mosca". Ficou falando ao celular na hora errada, ficou teclando no WhatsApp na hora errada, bebeu (bebida alcoólica) na hora ou da forma errada, etc.

Resumindo. Dediquem-se arduamente a atividades de sobrevivência, porque agora você é policial. A quem muito é dado, muito será cobrado! Então aja e viva com responsabilidade, de forma coerente com a carreira que você abraçou! Um policial é caro demais pra morrer em situações tão bestas.

É claro que tenho um bizu especial para as meninas. No início vai ser uma grande confusão na sua cabeça, porque o curso de formação é todinho feito para homens. No tatame, você vai treinar "defesa do genital" como se fosse homem... A grande maioria dos equipamentos são feitos para homens. Vai na loja e tenta achar um boot 36, por exemplo. Procure um terno feminino que esconda apropriadamente a sua arma... Olha... pouquíssimos cursos terão professoras mulheres e dispostas a te dar aquele toque sobre "como continuar sendo mulher após entrar para a polícia". Então, o jeito é experimentar tudo e ver como fica em você. Hoje, eu amo o Fuzil Colt, parece que foi feito pra mim, porque é uma arma leve e eu consigo bancar o tempo que for preciso. Já adotei a munição que me deixa mais confiante. Já achei ótimos terninhos, sapatos sociais e coldres especiais, com os quais consigo manter a elegância sem quebrar nenhum protocolo de segurança. E descobri o Shemag que revolucionou a moda operacional. É um lenço tático que alguns usam pra proteger o rosto, eu uso pra proteger o pescoço do sol. Amoooo! Mas pra chegar até aqui confesso que comprei tanto coldre, calças e outros acessórios que dá pra encher uma mala. Não é fácil se adaptar. Outra coisa bacana que aprendi, depois de muita humilhação nos tatames da vida, é que treinar joelhadas e cotoveladas em pontos estratégicos é o que há, amiga, porque funcionam muito bem, mesmo se você não tiver tanta força. Entendeu? Porque na pior das hipóteses você ganha tempo pra sacar sua arma ou para simplesmente sair correndo. 

Pra fechar, inspirem-se na mensagem dessa nordestina sertaneja que tornou-se medalhista de bronze no Pentatlo em Londres. O que é Pentatlo?

"Diz a lenda que, durante uma guerra na Europa, um soldado recebeu uma missão: entregar uma mensagem cruzando os campos de batalha. O soldado pegou um cavalo que não conhecia e saiu. Para atravessar as linhas de frente teve que combater usando o revólver e a espada. Mas, no meio do caminho, um problema sério tornou a missão ainda mais difícil. O cavalo se feriu e o soldado teve que completar o percurso a pé, atravessando lagos e rios. Surgiu assim o pentatlo moderno. Cavalgar, correr, nadar, atirar, e enfrentar adversários com a espada. No sertão nordestino, surgiu uma brasileira capaz de fazer tudo isso Yane Marques!"

"Correr, nadar, atirar, usar cavalo e espada
Para uma autêntica sertaneja isso tudo não é nada.
Pois sertaneja é assim: faz de tudo e nada erra
E ainda não abre mão de exaltar a sua terra.
Em afogados da Ingazeira, onde o sol mais forte brilha
Brilha o brilho de Yane, sua mais brilhante filha".

(Trechos copiados do site Do Pernambuco)

Aí, é disso que eu tô falando!

sábado, 6 de janeiro de 2018

Dica número 2 - Mens sana in corpore sano.

Policial precisa investir em conhecimento.


Após discutirmos sobre a importância de um "corpore sano", precisamos investir também numa "mens sana" e fechar esse combo. Afinal, não queremos que os coleguinhas pensem que você é apenas um corpinho bonito, não é mesmo?

Sério que você achou que não precisaria mais estudar na vida, após aprovado no concurso? Sabia que algumas polícias exigem que seus policiais façam cursos inclusive para promoção na carreira? É... Quase uma tortura aquele de "suprimento de fundos", verdade, mas não é disso que estou falando.

Quando você realmente entrar para a polícia (lembrando que "tornar-se policial" é uma coisa, tornar-se um servidor público, é outra bem diferente), você vai sofrer um bombardeio de novas ideias e concepções. Para que esse processo de mudanças seja saudável, titia recomenda que você faça ótimos cursos, leia bons livros, investigue "por que isso é assim?", questione as idéias dos professores (depois do CFP, pode!). Estude. Eventualmente, você vai precisar defender seus pontos de vista perante outros colegas policiais, colaboradores, servidores de outros órgãos, cidadãos, autoridades. Esteja preparado. Pare de fazer as coisas no automático, andando no fluxo da multidão e pense. Conheça a legislação afeta ao seu trabalho. Considere suas vulnerabilidades. Confronte suas práticas. Clique nas abas ocultas. E se você discorda, sei lá eu de quê, tá tudo certo, mas discorda por que? Você realmente sabe onde estão fundamentados os teus parâmetros de certo e errado? Espero que não seja nas listas de dicas dos blogs da Internet! Você precisa avaliar constantemente as premissas que te levaram a adotar estes padrões e, então, tirar suas próprias conclusões, porque, se não fizer isso, você vai virar um mero papagaio repetidor das frases idiotas que se ouve por aí.

É bem provável que você passe no mínimo uns cinco anos na sua primeira lotação, concorda? Você pode passar todos esses anos jogando World of Warcraft nas horas vagas, pra que o tempo passe logo, ou talvez possa construir algo mais inteligente e sólido pra levar contigo dessa experiência. Conheça a região onde você trabalha e explore o que essa vivência tem a te oferecer. E então, trace clara e objetivamente seus percursos de curto, médio e longo prazos, porque existe vida após o estágio probatório! Já pensou que talvez este seja o momento mais que oportuno para aprender um novo idioma, uma nova cultura! Tente ver as coisas de um modo diferente.

Já pensou que em cinco anos, você pode fazer outra graduação, um mestrado, um doutorado.  Sabia que tem novinho fazendo pós-graduação na Academia? Sabia que tem novinho publicando pesquisas científicas baseadas em dados do trabalho policial? Sabia que enquanto você reclama da distância, do descaso, da diferença, tem gente fazendo excelentes cursos policiais (e novos amigos!) que só são oferecidos aí na sua região? Sabia que grupos de operações especiais estrangeiros vêm fazer cursos no Brasil para dominar artes e técnicas que o PM da sua região aprendeu na infância?

Reflitam, porque na pior das hipóteses você vai se tornar uma pessoa muito mais interessante.

Para as meninas, é claro que tenho um bizu especial. Não é por acaso, amiga, que o curso de formação é de quase um semestre em regime semi-aberto, longe do seu habitat natural. "Mais alguém aí foi crucificada pela sociedade por se ausentar do ninho tanto tempo?" Então... sugiro que você avalie bem as oportunidades de crescimento que a polícia pode te oferecer, e selecione aquelas que realmente merecem sua atenção e o preço que está disposta a pagar por isso. Daí, converse com seu namorado ou marido (na verdade deveríamos ter feito isso antes mesmo de começar a estudar para o concurso, não é mesmo?). E decidam juntos como vai ser isso de viajar a serviço, trabalhar até tarde ou em regime de plantão, fazer cursos fora, continuar estudando, enfim... organize essa parte antes, ajuste esses ponteiros com antecedência, pra evitar muito estresse, crises e confusões desnecessárias quando as oportunidades profissionais baterem na sua porta. E vão bater! Caso você tenha filho pequeno, amiga, é imprescindível que vocês montem um "staff" de confiança pra dar apoio quando você precisar. Super invista nisso, pois mãezinhas policiais precisam ter Plano Alfa, Plano Bravo, Plano Charlie... sempre! Levem em consideração tudo isso antes de montar sua estratégia de escolha de lotação e divirta-se! Não estou dizendo de jeito nenhum que você precisa abrir mão disso ou daquilo, meu ponto é apenas sugerir que você decida conscientemente e conviva bem com suas decisões. Porque, sério, ser mulher na polícia é buscar constantemente um tal de equilíbrio entre a culpa por ter saído e o arrependimento por ter ficado.

Pra fechar, leia e deixe-se inspirar por este trechinho do relato de vida da PhD brasileira, negra, filha de uma empregada doméstica e de um profissional de curtume, a qual, após vários episódios de superação, conquistou um convite para fazer o seu pós-doutorado na Universidade de Harvard, nos EUA, e mesmo com todo o preconceito ja´conquistou 56 prêmios na carreira.

"...minha mãe me levava com ela para o trabalho. Ela aproveitou que tinham jornais na casa da patroa e me ensinou a ler para eu ficar mais quieta. Tinha quatro anos e ficava o dia todo lendo. (...) um dia, a diretora da escola Sesi foi visitar a dona da casa e perguntou se eu estava vendo as fotos do jornal. Respondi que estava lendo. Ela se surpreendeu, me pediu para ler um pedaço e eu li perfeitamente. Coincidentemente, era começo de fevereiro e ela sugeriu, que eu fosse uns dias na escola. Se eu conseguisse acompanhar, a vaga seria minha. Deu certo e com 14 anos eu já terminava o ensino médio. (...) As armas mais poderosas que temos para vencer na vida são a educação e o estudo". 

Aplaudo de pé a sua história de vida, Doutora Joana D'Arc. Olha bem o nome da guerreira!!! E parabéns, também, para a incrível sabedoria iluminada da sua mãezinha que soube aproveitar os jornais da casa da patroa para te ensinar a ler. Uma belíssima e inspiradora parceria entre mãe e filha.

Aí... é disso que eu tô falando!