quinta-feira, 30 de maio de 2013

Escuta clandestina.



Eles não perceberam que eu estava ouvindo a conversa do outro lado da vitrine, enquanto namorava as peças de uma senhora joalheria que ficava no hall de um dos hotéis mais famosos de uma das cidades mais badaladas que conheço. No diálogo, curiosíssimo, os dois atendentes  comentavam sobre "um certo ar de mistério" das policiais que estavam trabalhando ali. Aquele momento em que você pensa: "meu salário não dá pra comprar essa jóia nem em 483 prestações, mas me divirto ouvindo conversas alheias". 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Os caminhos da navalha.


Outra daquelas brigas feias e eu pedi pra ele ir embora. Aquela hora nos relacionamentos em que você pensa "eu não sou maluca de continuar com isso". Ele foi mas já voltou e vocês foram poupados de mais um daqueles textos chorosos e desesperadamente dramáticos. Vou explicar. Não dá, amiga, pra você terminar um relacionamento e ficar em contato com o dito cujo senão não funciona, certo? Porém... ele tem que ver o filho dele, o que eu posso fazer? Saí de casa pra não ter que me encontrar com ele, mas ele sabe por quem os sinos dobram. Logo, dispensou a babá e disse que ficaria lá até eu chegar! É aí que complica o meu meio de campo. O bandido me vem com aquela camisa preta que eu adoro (tirem as crianças da sala!). Aquela em que ele fica lindo demais. Aquela camisa tem uma gola preta, sabe? A gola preta realça aquela parte do pescoço, da nuca, do paraíso onde o barbeiro raspa com a navalha pra determinar os limites exatos de onde eu me perco completamente. Maldita navalha. Eu só conseguia pensar na minha língua percorrendo os caminhos da navalha.
 
E aquele jeito como ele se senta no meu sofá? Eu deveria ter queimado aquela droga daquele sofá que se transforma num sofá-trono quando ele se senta lá com a pose de um rei. Até a sola do sapato dele, que fica visível quando ele cruza maravilhosamente bem a perna sobre o joelho da outra perna, fica perfeita naquele sofá. Pela-santa-mãe-do-guarda! Aquela criatura abre os braços sobre o encosto do meu sofá e sem querer eu vejo aquela parte interna do braço dele. É, aquela parte que foi feita para nós mulheres nos encaixarmos perfeitamente bem nessa obra divina que é o Universo. A manga da camisa preta em contraste com a parte interna do braço dele sobre o sofá da minha sala... e eu seeeeei que se eu olhar só mais um pouquinho... daqui a poucos segundos estarei prostrada perante Sua Majestade só aguardando ele dar o próximo comando. Você queria o quê? Só se eu... me jogasse pela janela.
 
Difícil explicar aquela noite. Só sei que ele estava falando não-sei-quê-lá do uniforme escolar do filho que já estava dormindo na caminha do quartinho dele. Foi o que eu entendi enquanto desviava o olhar, porque aquele perfume dele  que não pede licença pra invadir o meu espaço, já estava me embriagando... (munição que eu dei para o inimigo). Mas quando ele fez uma pausa no que estava falando e fez aquele negócio de passar a mão na barba, subindo pela nuca até chegar no cabelo,  eu me desconcentrei e olhei nos olhos dele ou será que olhei nos olhos dele e me desconcentrei? Bom, nesse momento eu soube que minhas forças acabaram. Daí em diante eu só conseguia ouvir o canto da sereia macho ou seria o canto do boto rosa? Nenhum dos dois. Era o canto da mula-sem-cabeça que sou! Não entendia mais palavra nenhuma do que ele estava dizendo. Só olhava o movimento perfeito dos lábios perfeitos dele falando blás-blás-blás. E no gesto mais condescendente do mundo, olhei o relógio e pensei... "Tá. Eu fico com ele só mais essa noite e amanhã a gente vê o que faz". Foi a melhor noite da minha vida.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Humilhação institucional.


Após o almoço, um agente colega meu escovava os dentes no espelho d'água que fica na parte externa do prédio. Não sei realmente o que ele tem na cabeça, mas me pareceu um protesto circunscrito e bastante inteligente. A qualidade da água lá fora estava melhor que a do ar ambiente que respiramos aqui dentro. "O que contamina o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai dela". Quanta falsidade envolve essas missões policiais "glamourosas" e quanta decepção em tão curto espaço de tempo! Todo o mundo hypster quer participar desse tipo de missão. Todas as forças, todos os órgãos públicos. Todo mundo quer uma foto, uma história dessas pra contar. Quando te perguntam se você tem experiência nessa área, as pessoas adoram citar esse tipo de trabalho, de evento. É o tipo de missão que enaltece o currículo. E, de fato, a hipercinesia de quem narra impressiona principalmente quem é novinho e mais ainda quem não é da casa. Isso tudo me dá asco. A subserviência nauseabunda do Brasil é espantosa. Esqueçam as fronteiras, Forças Armadas, o que ameaça a nossa soberania é Brasília.

sábado, 4 de maio de 2013

Ingresso para o filme errado.

 
Chegamos a essa cidade para uma força tarefa numa missãozinha besta do caramba e o pior é que estamos aqui voluntariamente. Aquela sensação de que você comprou o ingresso para o filme errado. Tem coisa mais importante pra polícia fazer! Enquanto nos exploram a gente grita: diária! Lá no trabalho, numa sala repleta de cosplayers o melhor conteúdo que encontrei foi no meu livro (obrigada, Ernest Hemingway). Olha só, não é que eu queira discutir o "aumento da reserva de mercado", mas nas conversas por lá só rolam histórias mentirosas, piadas sem graça e reclamações inóquas... Não sei como podem ter tanto pra contar e nada pra dizer. Coisa irritante! Um colega nosso, antigão, tombou ontem por excesso de álcool na veia e foi parar no Serviço Médico. O que vou dizer de um cara cuja esperança é que com a reestruturação da carreira todo antigão um dia vai chefiar uma delegacia? Nem o futebol conseguiu iludir tanto as massas! Proponho um teorema paradoxo: ele bebe porque não progrediu na carreira como gostaria; ou ele não progrediu na carreira como gostaria porque bebe?