segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Quem é o inimigo?




A Dama de Ferro me chamou na sala dela pra dizer pra eu me instalar logo na sala do barulho. Prefiro ficar na sala da delegada que eu estava substituindo porque ali é bem mais tranquilo pra trabalhar. Se já estou assumindo duas funções será que pelo menos minha sala eu posso escolher? Não. Porque o problema é outro. Ela desconfia dos terceirizados e quer que eu faça uma espécie de vigilância/auditoria naquele setor. Pelas barbas de Judas, Batman!
 
Sem querer questionar as habilidades em Análise Comportamental da minha Delegada-Chefe, mas sinceramente não sei se o que ela me falou faz algum sentido. Pra mim, ela tem preconceito econômico com a galera que ganha mal no nosso setor. Só isso. Até porque não existe nada acontecendo de concreto. Não que a equipe de policiais saiba. Mas é forçoso admitir que desconfio que meu desconfiômetro apresenta defeito de fábrica. Posso muito bem estar sendo iludida pelo meu lado paternalista (maternalista, no caso), que faz com que eu sempre me identifique com os menos favorecidos.
 
Nem sei, mas é prudente alertá-los de que tem coisas que acontecem bem na minha frente e eu pateticamente sou a última a saber. É sério! Uma colega que eventualmente me dá carona para o curso que estou fazendo à noite acabou de me dar uma senhora cantada gay e eu nunca imaginava que essa mulher fosse... enfim. Só faltou ela desenhar pra eu poder entender que ela estava me cantando, rosários bentos! Eu sou uma pata completamente sonsa, meu pai tinha razão. Na Academia eu apostava todas as minhas fichas que determinado colega era completamente gay, mas depois eu soube que ele saía desde o início do curso com uma colega casada do meu alojamento! Ou seja.
 
Mas por outro lado, se eu tivesse que montar uma vigilância em cima de alguém nesta divisão seria no alto escalão, haja vista que uma dormia com o inimigo; e outra tem graves antecedentes na Corregedoria. Isso é o que eu chamo de pressupostos concretos do imperativo categórico kantiano e fundadas suspeitas para uma investigação nesse sentido. Mas não estou afim de fazer isso, não. Tem setores na polícia cuja função é exatamente essa. Só quero provar que, preconceito por preconceito, sou mais os meus! De qualquer forma, já pedi mesa, cadeira e acessórios apropriados pra me mudar pra sala dos terceirizados. Vou ficar lá e deixar a Delegada-Chefe com a sensação de controle que ela precisa ter. Vamos ver até onde ela vai com essa história.
 
Queria tanto viver a irresponsabilidade de ser casual, mas é complicado trabalhar com essa desconfiança toda. Leio tudo nos mínimos detalhes e não assino nada antes de entender a verdadeira motivação de cada documento. Não posso errar, pois qualquer descuido poderá ser usado contra mim, caso eu descubra mais do que desejo. Já tenho certeza disso.

sábado, 28 de setembro de 2013

Amo você.


Você é um menino no corpo de um homem descalço, e eu morro de rir das suas manias bobas. De você me cobrir com edredom,  num ritual largo, quando está quente. Às vezes, não posso fazer nada porque já estou dormindo. Então acordo de madrugada com vontade de jogar aquele edredom pela janela do quarto. Janela essa que você adora esquecer aberta quando estou com frio.

Gosto de perceber como você fica feliz quando eu estou feliz. E me sinto pesada quando sei que você está triste porque eu estou triste. Aí o jeito é dar um jeito de ficar bem pra você ficar bem. Logo, você me faz bem, porque eu preciso estar bem pra você ficar bem.
 
Gosto quando você está deitado de lado na cama e eu fico olhando para as suas costas gigantes em forma de montanha russa, que começa lá em cima na linha do ombro e desce perigosamente até o vale da cintura. Eu fico torcendo pra você virar para o meu lado, porque não tenho coragem de perturbar seu sono. Espero, ansiosamente, com todo o meu corpo, que alguma parte da sua pele encoste em mim. Combina demais com o meu sono o seu nariz respirando poesias no meu pescoço.
 
Eu gosto quando me levanto da cama devagar pra não te acordar, mas você percebe e reage assustado como se tivesse me deixando escapar. Até parece... Então você me chama pra cama de novo dizendo que precisa me falar uma coisa muito importante, como se eu já não tivesse manjado há séculos essa sua estratégia engraçadinha.
 
Eu gosto quando é você quem está dirigindo. Eu digo que você dirige mal e você briga comigo. Depois passa a marcha e descansa sua mão enorme, displicentemente perdida na minha perna. É uma rasteira sutil no meu equilíbrio. Eu sempre coloco minha mão em cima da sua pra prorrogar o momento até chegar a próxima redução de marcha, num círculo vicioso.
 
Posso ficar horas explicando porque gosto de você mas você não acredita. É porque você é bobo demais. Mas eu não me importo. Não precisa pedir desculpas porque eu gosto disso também: você é bobo demais!

domingo, 15 de setembro de 2013

Arrogância.

  
Na semana passada ouvi de relance uma conversa de corredor entre a Dama de Ferro e uma funcionária terceirizada sobre meu destino. Ambas estavam quase em frente à minha porta e a moça precisava da decisão da chefona sobre se eu assumiria ou não a função do Agente que estava na iminência de deixar aquele setor, ou se eu continuaria fazendo o trabalho da Delegada que saiu de férias e não voltou mais porque foi movimentada para outra cidade. De que jeito ela conseguiu essa proeza, jamais saberemos.
 
Foi engraçado. A Dama de Ferro respondeu solenemente com aquele ar autoritário, marca fiel da personalidade empinadinha dela: "A Novinha vai acumular as duas funções". Neste momento o olhar dela me achou lá no fundo da sala (medo) e por fim, complementou, sorrindo igual à Mortícia Addams: "A Delegada Conterrânea da Novinha disse que ela é inteligente".
 
Três perguntas:
 
1 - Será que este ser arrogante achava que eu não era inteligente porque vim da área operacional?
 
Se eu quisesse tratá-la reciprocamente com a arrogância que julgo ser-lhe compatível, dir-lhe-ia que a expressão "agente inteligente" é uma redundância, mas como sou super-humilde (super-mentira), fui direto para a segunda pergunta:
 
2 - De onde minha conterrânea tirou essa conclusão a meu respeito?
 
Questão que pode ser respondida com uma terceira pergunta:
 
3 - Afinal, que tipo de vida inteligente deste planeta aceitaria trabalhar por dois, ganhando o salário de um?

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Intimidade.


Limpeza de primeiro escalão é para os fracos.