ATÉ QUANDO?
Há 6 anos
Estou começando a entender o funcionamento da coisa por estas bandas. Perguntaram se eu falava inglês e eu respondi "Yes, I do". Então tinha que ser eu mesma. Ótimo! Todavia, quando chegamos ao local da missão, a necessidade era de alguém que falasse inglês, francês e espanhol! E eu fui, devagarzinho, me soltando e marcando meus pontinhos com a equipe: Yes, yes, yes! Oui, oui, oui! ¡Si, si, si! Placar final: três a zero pra novinha aqui. Bom, falaaar mesmo que é bom eu não falo quase nada desses idiomas, mas foi o meu enrolation aliado ao portuñol e um biquinho forçado que tirou a equipe toda do sufoco. E se eu fosse babaca aproveitaria a oportunidade pra mandar um recado para o meu chefe, que adora dizer que os novinhos de hoje têm muita teoria na cabeça, mas perfil policial que é bom, nada: "Perdeu, chefe! Perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado".
Eu bem que poderia tirar a maior onda com este certificado bonitinho. Posar de "policial operacional especializada". Mas, francamente, que cursinho mais besta! Eles têm uma mania de colocar tanta pompa e cerimônia no nome do curso que beira o cinismo. Pois fico achando que até um chipanzé domesticado concluiria este treinamento com louvor. É mais um mito que despenca numa dose extra de realismo. Tô andando pra esses cursos e só não vou considerar uma perda total de tempo porque pude fazer bons contatos e conhecer pessoas interessantes. Esta agente, por exemplo, tão ironicamente aluna quanto eu. Com a pequena diferença de que eu sou anônima né, e ela é uma lenda viva que jamais passaria despercebida, primeiro por seu exótico visual neo-hippie, segundo pelo fato de que todo mundo ali já tinha ouvido falar dela.
Já pedi desculpas a ele várias vezes por adormecer de cansaço antes da hora; Já varei noite estudando para concurso; Já dormi muito em mesa de biblioteca; Já tomei muito café pra acordar; Já passei frio no ar-condicionado do curso; Já passei fome em sala de estudos; Já fui dormir às duas da manhã porque acabei tomando pó de guaraná demais para ficar acordada durante a aula; Já senti dores de coluna por causa das longas horas sentada pra estudar; Já assisti aula gripada; Já pedi a Deus para chegar logo o intervalo a fim de comprar remédio pra cólicas menstruais; Já fiz prova com dor de cabeça; Já tive dúvidas se valeria a pena; Já tive certeza que não valeria a pena; Já ouvi conselhos para estudar menos; Já ouvi conselhos para estudar mais e já estudei errado demais.
Eu o.d.e.i.o (profunda ênfase nessa palavra, por favor) quando eles saem para alguma operação e me deixam aqui de molho! Vontade infinita de crescer, fazer e aconte-SER, mas aonde?! Primeiro: como é que vou adquirir experiência cercada de paternalismo por todos os lados? Segundo: quando é que esses caras vão passar a me levar a sério? E terceiro, mas não menos importante, este blog tá virando emo?!
E se eu te disser que conheço esse olhar, que percebo logo sua alegria tonta de meia satisfação disfarçada quando me vê chegar? Às vezes, não preciso olhar para ver que você está me olhando. E eu quero tanto esconder minhas vulnerabilidades e agravantes. Mas você quer deitar e rolar em cima disso. E se eu te disser que quem está vulnerável é você, guerreiro? Te flagrei desviando um olhar tímido e teimoso, como se relutante em me perder de vista. Você estava procurando o que no fundo dos meus olhos? Você não sabe. Não sabe que está completamente desarmado. É tanta força pulsando violentamente nas tuas veias endurecidas e me espanto em ver teu coração tão exposto, sonhando fantasias ao sereno. Você, claro, vai querer jogar a culpa em mim. Vai dizer que foi aquele dia em que pedi sua ajuda para imobilizar com um esparadrapo um dedo da minha mão que doía ao movimentar-se. Eu vi com olhos de mulher a tua boca trêmula tão logo recuei com uma expressão de dor. Você pediu desculpas por ter pressionado sem querer o local lesionado, mas a sua voz já tinha mudado. Era tarde demais. Era triste demais. Contato físico demais: regra número um! O ferido é você, parceiro. Você está delirando. Caiu ardente de febre pela minha dor, não foi? Se você quiser eu assumo a culpa... Pronto. Mea maxima culpa. Só não me provoca, te imploro como quem faz uma prece. Deixa doer... Não comece o que você não dá conta de terminar e me perdoe, mas não vou colocar poesia nenhuma neste texto.
Às 10 horas em ponto eu chegava toda produzida ao local indicado, conforme combinamos. Um hotel vinte estrelas nesta cidade. Pensei em telefonar, mas ele já estava fazendo o check in na recepção. De relevante, notei sim, a aliança que brilhava na mão esquerda desse colega policial assinando a ficha, mas não percebi mais ninguém conhecido na cena. Ótimo! Fico imaginando onde aprendi a correr esses riscos que parecem saltar na minha frente. Deixa. Tomamos o elevador. Como ele tava lindo! Que transformação! O surfista penteado e barbeado. Aquele cheiro macio e cremoso pós-barba. E mesmo sem olhar eu sabia onde estavam os olhos dele, por óbvio. Um silêncio que dava pra ouvir a respiração do outro e ele masca um chiclete de menta. Eu só encarava o chão, castamente, e contraía os músculos mandibulares de forma quase involuntária: queria um chiclete... e outra metáfora. Penúltimo andar. A porta do elevador se abriu. Corredor vazio de doer. Ele convidou, "vamos?". E agora? Acabou me convencendo de que ele sabia o que estava fazendo e permiti que ele me conduzisse por caminhos diferentes. Rotas de fuga. Não vou entrar em detalhes, mas posso garantir que aproveitamos bem o tempo para fazermos tudo o que aquela urgência exigia de nós... na piscina, na cobertura, nos restaurantes vazios, na sala de ginástica, na garagem, nas escadas de emergência, nos elevadores, etc. Não é exagero. Não podia imaginar que havia tantos detalhes interessantes num hotel! Saímos de lá juntos, três dias depois, exaustos devido às noites mal dormidas... E assim temos mais uma segurança de dignitários para o meu currículo. Dessa vez fiquei na equipe fixa do hotel. Trabalho, sim, vocês estavam pensando o quê? É assim mesmo que funciona: Uma very important person de fora, que tenha direito à nossa segurança, chega à uma cidade e é escoltada pela equipe móvel. Segue para um hotel bem legal. Claro que antes dela chegar uma equipe já fez todo o plano de segurança e levantamentos de inteligência, outra equipe já fez a varredura eletrônica (contra espionagem, escutas, captação de imagens) e anti-bombas na suíte VIP e adjacências. É sério! Daí a equipe de segurança fixa passa a se responsabilizar pela segurança do dignitário naquele hotel e a gente vai se revezando na porta da suíte VIP enquanto ele estiver na cidade. No meu turno, eu sou a responsável pela vida, pela segurança física e até moral da autoridade que descansa. É importante estar preparada para qualquer situação. Me senti tão profissional! E quase pude ouvir meu pai a dizer: "Filha, pode ser ótimo como experiência, mas péssimo pra reputação". Vida irônica.
Um caminhão-pipa à frente vazando água na rua seguido de um carro de passeio pequeno. Tudo parando por causa do quebra-molas. Norah Jones de carona no som... Um dia tão lindo... Nada a ver com esse óleo na pista e carro patinando! Ai, meu Deus! Os olhinhos dele acompanhando tudo... Vai bater!! E záz!!! Sem controle o carro desliza pra esquerda. Nosso Pai!!! E antes que colidisse com um veículo em sentido contrário, o carro encontrou pista seca e respondeu ao volante. Volta pra via da direita, transpondo a lombada devagar. Está tudo bem... Graças ao bom Deus! Foi quando ouviu o filhote dizer, espantado e cheio de orgulho: "Mamãe, ainda bem que você é policial, né?".
Melhor ter sofrido um trote daqueles que demonstram logo o "tipo sanguineo" do "sangue novo" que chega na polícia, a ter que aguentar essa mulher. Mais velha e mais antiga na casa que eu, ela implica dia e noite com meu sotaque, desaprova meu estilo street wear, recrimina minhas convicções políticas, faz piada da minha fé e torce contra o meu time de futebol. Adora me provocar, mas sempre levei em banho-maria e procuro manter distância segura. Finjo que nem é comigo. Em qualquer lugar do mundo isso seria bullying, mas aqui é normal que peguem no pé dos novinhos, ou de onde vocês pensam que veio a frase "Nunca serão!"? Dá vontade de pedir pra sair, mesmo. Só que o delegado percebeu, me chamou na sala dele e perguntou se eu queria que ele interferisse na situação. Imagina! Claro que eu disse que não. E o quê? Delegado se metendo em guerra de agentes? Porém, ele me fez perceber que a situação era mais grave do que eu imaginava e agora consigo entender algumas coisas estranhas que aconteceram. Mesmo assim insisti: "Muito obrigada, chefe, mas meus problemas resolvo eu. Já sou grandinha pra saber me cuidar". Mentira, porque né? Depois que saí da sala dele chorei igual criança sozinha. Agora eu sei... dores que a gente não entende são mais difíceis de tratar.
O delegado passa por mim apressado, me entrega um papel com nomes e respectivos números de telefone. Pede pra ligar e cancelar a reunião da tarde. Motivo: viagem. Tá... Pego o primeiro nome da lista: Daniel Inácio (fictício, né, meu povo...). Chama. Mal o telefone toca o sujeito atende.
Só posso descrever meu estado como ebriedade profissional. Foi bom, intenso e muito gratificante participar da missãozinha chata, na qual ninguém acreditava, e que por isso mesmo caiu de bandeja no meu colo. E embora um delegado constasse como chefe da operação e houvesse discutido comigo cada ponto do plano, tinha que fazer outras coisas e acabei, por ironia do destino, assumindo o rock n' roll todo. Era eu tentando ensaiar meus passinhos tímidos na imensidão do universo policial. Todavia, o susto foi grande porque a operação evoluiu. Aumentaram o som, as cores e a moral da história. Pelo fato de ter acompanhado tudo desde o início era eu que tirava dúvidas dos colegas no brieffing (pasmem!). Por alguns instantes realmente senti toda a beleza de fazer parte de uma equipe de polícia, tal qual uma peça bem engrenada na força da máquina..., mas ainda é cedo. Segue. Me lasquei de tanto trabalhar e de tanta pressão porque se "tocasse o barata voa" (abafa!) eu não sei nem se saberia por onde começar. Oi, aquela fase de curso de formação acabou, baby. Não tem nenhum instrutor aqui pra tirar a gente do desespero e é terminantemente proibido errar! Não. Claro que meus erros não passaram em branco. Fizeram críticas quanto à "estética da coisa". Ok, não poderia passar sem críticas, mas logo sobre estética!? Se todo o resto estava bem então isso foi um tremendo elogio! Eu acho graça porque era uma missão impossível de dar certo. Mas deu e a causa era nobre! Graças a Deus pude dormir em paz. Hoje, meu coração acordou em ritmo de fé, pronto para novos horizontes, porém antes tenho que lavar essa camiseta suada que por vezes me deixa encharcada de orgulho.